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quinta-feira, 20 de outubro de 2011

 










Mais uma vez, nosso querido amigo e pesquisador Fábio Costa, nos presenteia com um texto. Dessa vez sobre Roda de Fogo, de Marcílio Moraes e Lauro César Muniz, grande novela dos anos 80, que fez bastante sucesso na época e que este ano completa 25 anos. Confira aqui as impressões do Fábio.  Nossos agradecimentos a mais esta colaboração!

 
Colando cacos de um Brasil em transformação: os 25 anos de Roda de Fogo

por Fábio Costa

A mudança radical na vida de um homem poderoso que descobre que vai morrer em breve. Esse era o mote principal de Roda de Fogo, novela de Lauro César Muniz que a Rede Globo exibiu em seu horário nobre entre agosto de 1986 e março de 1987 com direção de Dênis Carvalho e Ricardo Waddington. A virada na vida de Renato Villar (Tarcísio Meira) era alinhavada junto a um retrato dos crimes de colarinho branco, negociatas envolvendo poderosos empresários, políticos e banqueiros.


Renato e Lúcia
A novela começa com o envio ao juiz Marcos Labanca (Paulo Goulart) por Celso Rezende (Paulo José) de um dossiê a respeito de irregularidades em transações financeiras das empresas de Renato, que aplicava dinheiro fora do Brasil de maneira irregular com a ajuda do banqueiro Werner Benson (Carlos Kroeber). A juíza Lúcia Brandão (Bruna Lombardi), amiga e ex-aluna de Labanca, é designada para cuidar do caso e Renato resolve suborná-la para se livrar das acusações de crime financeiro e da morte de Rezende, que é assassinado. Mas Renato e Lúcia se apaixonam, e ela passa a viver um dilema entre seu dever de fazer justiça e o amor do homem que deve julgar.

Renata Sorrah como Carolina
Renato é casado com Carolina (Renata Sorrah), ambiciosa mulher de família tradicional que sonha em ver o marido se eleger presidente da República. Os dois vivem um casamento de fachada e têm apenas uma filha, Helena (Mayara Magri), jovem incompreendida que luta por atenção e carinho em meio à ambição dos pais, preocupados apenas com seus interesses particulares que não a incluem. Mas Renato é também pai de Pedro (Felipe Camargo, estreando em novelas após o sucesso na minissérie Anos Dourados), fruto de seu relacionamento com Maura Garcez (Eva Wilma), guerrilheira política com quem seu pai Antônio Villar (Mário Lago) não permitiu que se casasse quando jovem. Maura, que chegou a ser presa e torturada durante a ditadura militar, vive hoje na Itália e tem um tratamento psiquiátrico e médico custeado por Renato, enquanto Pedro foi criado pela avó materna, Joana (Yara Cortes), proprietária de um bar. Apesar de todo o amor da avó, Pedro é revoltado por se sentir ignorado pelo pai e não ter tido a mãe por perto, o que o torna um rapaz metido a valente e que acha que as coisas devem ser feitas do seu jeito.

Renato sente estranhas e fortes dores de cabeça, que à medida que se tornam mais freqüentes levam-no a procurar um médico, o Dr. Moisés (Nelson Dantas). É aí que descobre ter um angioma, tumor maligno localizado numa região do cérebro que não permite intervenções cirúrgicas; ou seja, ele não pode ser operado e morrerá dentro de seis meses, quem sabe um pouco mais, sem que nada possa ser feito contra isso. Ante a perspectiva da morte, Renato resolve mudar completamente sua vida. Abandona Carolina para viver seu romance com Lúcia, decide aproximar-se de Pedro e Helena e procura corrigir todos os erros existentes em seu grupo empresarial, afastando todos os executivos que o traíam no comando das empresas, além de destinar boa parte dos lucros a uma fundação que decide criar, a Fundação Renato Villar. Sem falar na mais inesperada das atitudes, que é nomear Pedro presidente do grupo. Claro que seus comparsas não ficam nada contentes com as atitudes de Renato, e de figurão corrupto ele passa a ser visto como ameaça por todos os outros; em especial pelo advogado Mário, que se torna o grande vilão da história.

A sinopse da novela surgiu na Casa de Criação Janete Clair, iniciativa que a Rede Globo manteve em meados da década de 1980 para o desenvolvimento de novos projetos de teledramaturgia. Além do coordenador da Casa, Dias Gomes, também participaram da elaboração da sinopse Ferreira Gullar, Euclydes Marinho, Joaquim Assis, Marília Garcia, Antônio Mercado e Luiz Gleiser. Lauro César Muniz, que trabalhou com Marcílio Moraes no texto da novela, incrementou a sinopse com elementos comuns à sua obra como o retrato do desenvolvimento econômico e político do Brasil recente, em especial através do contraponto entre os personagens de Mário Lago (um legítimo self made man de origem interiorana) e Percy Aires (Hélio D’Ávila, tio de Carolina, nascido em berço de ouro e militar de alta patente).

Jacinto (Cláudio Curi) é o
mordomo de Mário (Cecil Thiré)
É interessante notar como os personagens diretamente ligados a Renato e que formavam a “roda de fogo” do título (em alusão ao modo como se dispunham nas reuniões, sentados à mesa formando um círculo) representavam diferentes extratos da sociedade, sempre dentre os integrantes mais representativos desses extratos. Num Brasil que ainda curtia a ressaca da ditadura, os militares de direita mostrados em tom de chacota através do General Hélio, cuja figura aludia à linha-dura do então recém-encerrado regime ditatorial brasileiro. Além do general e de seu neto Felipe, as presenças de Werner Benson – o “asno”, como Renato o chamava – e Mário Liberato (Cecil Thiré) simbolizavam os banqueiros e os advogados, bem como o deputado Paulo Costa (Hugo Carvana) traduzia os políticos corruptos, fazedores de lobbies e todo tipo de maracutaias. Quando passa a se vingar daqueles que o traíram, Renato dá início a um jogo em que coloca uns contra os outros, orquestrando suas mortes de maneira a que eles se matem entre si e ele mais nada precise fazer. Assim, vão morrendo um a um: Felipe, Paulo, Benson e até Jacinto (Cláudio Curi), mordomo de Mário, ex-torturador de presos políticos.

Mas nem só de intrigas e crimes vivia Roda de Fogo, havendo o contraponto cômico à trama pesada de vingança: Tabaco (Osmar Prado), motorista de Renato, tipo alegre, orgulhoso de servir ao patrão e dirigir sua pomposa limusine. Ele não consegue escolher uma entre as três namoradas que tem ao mesmo tempo: a costureira Patativa (Cláudia Alencar), a telefonista Bel (Inês Galvão) e Marlene (Carla Daniel), empregada da mansão dos Villar; além de ter se envolvido também com Fátima (Cristina Sano), empregada do bar de Joana, e a socialite Alice Amaral (Sílvia Bandeira). E ainda por cima era casado, e sua esposa aparece no final. As situações envolvendo Tabaco e seus casos amorosos ganharam destaque na novela graças ao sucesso de público que tiveram.

Tabaco com Patativa, Marlene e Bel


Lauro César Muniz e Marcílio Moraes foram bastante felizes no desenvolvimento da novela, que construía a trama a partir de dois temas principais: a disputa pelo poder e a justiça em suas variadas noções conforme as conveniências. A abordagem corajosa da corrupção empresarial, das torturas do regime militar e a ridicularização desse mesmo regime através da figura do general, as relações nem tão veladas assim entre Mário e Jacinto e a paixão do advogado por Renato; tudo foi bem alinhavado pelos autores, fazendo de Roda de Fogo uma novela séria sem que fosse chata e agradando em cheio ao público quando passou à fase dos assassinatos maquinados pelo empresário arrependido em busca da redenção.

Maura, Renato e Lúcia
No elenco, merecem menções especiais o sensível trabalho de Eva Wilma como Maura, mulher fragilizada pelas torturas que sofreu nos porões da ditadura; Renata Sorrah, num bom momento como Carolina, competente, elegante; Osmar Prado, num personagem a princípio sem grande importância que acabou roubando a cena; Cecil Thiré, que conseguiu com seu Mário Liberato a façanha de chamar para si a atenção com Tarcísio Meira em cena; e, claro, o próprio Tarcísio, num desempenho dramático bastante convincente nas duas fases do personagem. Tão convincente que conquistou a torcida de boa parte do público para que ele não morresse ao final da história, mas o previsto se concretizou no último capítulo, de número 179: numa ilha paradisíaca do Caribe, em paz consigo mesmo após dar cabo de todos os inimigos e expiar sua culpa, realizado ao lado de Lúcia, Renato morreu enquanto conversava com a amada e sentia os movimentos do filho que ela esperava, dando-lhe sinais de vida. Uma celebração da vida dele, que se encerrava, e da do filho, que de alguma forma a fazia prosseguir.

Uma inesperada reprise de Roda de Fogo foi ao ar no Vale a Pena Ver de Novo em 1990, de 21 de maio a 6 de julho, durante a Copa do Mundo da Itália. A curiosidade maior fica por conta da duração dessa reprise: 34 capítulos em sete semanas, fazendo dela a menor das reprises na sessão até hoje. Já que não consta que a reapresentação da novela tenha decepcionado no quesito audiência a ponto de justificar um compacto tão breve, a única explicação plausível para o fato é uma estratégia de programação da emissora, uma vez que em razão do fuso horário os jogos eram transmitidos por volta de meio-dia e 4 da tarde, ou seja, antes e depois do Vale a Pena Ver de Novo (que na época ia ao ar às 13h30), e exibir uma história com potencial para atingir o público masculino dos jogos seria ideal para manter a audiência da emissora o dia todo, sem eventuais fugas de público.

Em tempos de canal Viva conclamando os noveleiros a ir dormir mais tarde exibindo clássicos da teledramaturgia como Vale Tudo (1988/89) e Roque Santeiro (1985/86) no começo da madrugada, uma nova reprise de Roda de Fogo, tão inesperada quanto a primeira, viria a calhar.


***

6 comentários:

Anônimo disse...

Adoraria poder assistir a essa novela. Lembro-me dela qdo criança, mas só de uma vaga história de um homem com um tumor no cérebro. Ficou tb em minha mente a história do tabaco e suas três tabac... ops, mulheres rs.

Parabéns ao autor do texto!

Eduardo Vieira - Recife/PE

Efe disse...

Bela análise de Roda de Fogo, uma novela forte, intensa e de temática mais masculina, bem ao estilo do mestre Lauro César Muniz. O autor criou com maestria uma ótima história de corrupção, luta e tramóias pelo poder, encabeçadas especialmente por um corrupto empresário e um advogado nada ético, reprsentando toda a sujeira por baixo dos panos dos escalões do poder. Sem deixar de lado o humor, representado por Tabaco e suas três mulheres, nem o romance - com o diferencial de este não ser o mote central, a mola propulsora ideal do contexto.
Também partilho de sua ideia de reprise de Roda de Fogo no horário destinado a clássicos; penso até que teria sido estratégia mais acertada a escolha desta, ao invés da ótima, mas já muito explorada Roque Santeiro.
Parabéns Fábio!

Kleiton Alves Hermann disse...

Belíssimo texto!
Adoraria ter visto essa novela na íntegra. Os autores souberam fazer um excelente paralelo com o poder da época.

Um abraço a todos!

Juliano G. Bonatto disse...

Sempre bom relembrar uma novela marcante como foi Roda de Fogo. Uma das melhores das 8 de todos os tempos. Uma novela bem envolvente. Todos queriam saber do plano de Renato e como terminaria. Por um lado, se não fosse sua doença ele nao teria feito tudo como fez e por outro, acabou tendo o mesmo final que os seus inimigos. Nao se fazem mais novelas asim hoje em dia. O povo tem preguiça de pensar (e os autores também).

Parabéns pelo texto.

Olga Motta disse...

Adorei a parte que fala da "turma do Renato", sobre representarem extratos de nossa sociedade. Nossa, eu nunca tinha pensado nisso! Fábio, és um gênio, estás de parabéns pela excelente análise!

Mauro Barcellos disse...

É uma das melhores novelas que eu assisti. Trama muito envolvente e atuações memoráveis.