G U I L H E R M E P I V A
Ele estreou em novelas no grande sucesso Xica da Silva, da extinta TV Manchete. Seu personagem, o Sr. José Maria, fez tanto sucesso que virou uma das maiores atrações da novela. Seguiram-se vários personagens pouco convencionais na carreira de um mesmo ator. E é sobre eles que Guilherme Piva conversou, em uma entrevista exclusiva, com o “Agora”.
O ator estará neste fim de semana em Curitiba, com o seu espetáculo A Farsa da Boa Preguiça, de Ariano Suassuna, com direção de João das Neves. E nos dois primeiros fins de semana de dezembro, em Brasília.
Guilherme ainda ensaia, juntamente com Christiana Kalache, a peça De Verdade, de Sandór Marai, que estreia no começo do ano que vem, com direção de Márcio Abreu.
Foto gentilmente cedida pelo ator. |
ENTREVISTA EXCLUSIVA
Guilherme Staush pergunta
1- Um monstro do espelho (O Beijo do Vampiro), um médico meio maluco (Chocolate com Pimenta), um dono de bar com obsessão por limpeza (Insensato Coração), um padre corcunda (Mandacaru), um ET (Começar de Novo), entre outros tipos nada convencionais fazem parte de sua galeria de personagens estranhos na TV. É você quem procura por eles ou são eles quem procuram por você?
Guilherme como Dr. Paulo em "Chocolate com Pimenta" (2003) |
Quem nasceu primeiro? O ovo ou a galinha? (risos) Não sei. Gosto de interpretar. De fazer papéis que não se pareçam comigo. Quando entrei nessa profissão era encantado pelas peças que assistia no Teatro dos 4 (Shopping da Gávea) com grandes atores fazendo grandes composições. Sempre gostei das novelas com interpretações de tintas fortes. Isso com certeza norteou minha carreira.
Guilherme Staush pergunta
2- Como você se preparava para viver o Monstro do Espelho em O Beijo do Vampiro? Como foi fazer uma novela na qual seu personagem gravava as cenas separadamente para que depois fossem editadas nas conversas entre o monstro e as personagens de Tarcisio Meira, Cláudia Raia e Kayky Brito? É difícil atuar sem a presença do interlocutor?
A preparação era muito difícil. Ficava quase 3 horas na maquiagem. E mais 2 pra tirar. Tinha que depilar o corpo inteiro pra receber a maquiagem e usava prótese na cabeça, orelhas, mãos e pés. Fazia tudo em croma, sem objetos nem atores. Tinha que imaginar tudo milimetricamente pra não sair do quadro ou não me sobrepor a objetos e imagens, dos atores, que eram colocados depois. Foi muito difícil no começo, mas como gosto de um desafio, isso se tornou um game pra mim. No final já tinha o domínio completo e me divertia muito. Até mesmo porque assistia à novela e via o tom de cada ator pra poder contracenar melhor com cada um. Fora que o efeito de computação era genial. Primeiro Mundo.
Guilherme com Betty Gofman, gravando em fundo verde como o Monstro do Espelho - "O Beijo do Vampiro" (2002). |
Duh Secco pergunta
Guilherme como Glauco em "Três Irmãs" (2008). |
3- Enquanto estava no ar como o vilão cômico Glauco, de Três Irmãs, você declarou ao jornal O Globo (25 de janeiro de 2009): “Os meus personagens têm um lado de humor, mas não gosto da comédia em si”. Acredita que a TV o limitou a este tipo de personagem, com enfoque mais cômico?
Acho que a frase saiu um pouco fora de contexto. Adoro comédia. Assisto muitos seriados engraçados e adoro, assim como gosto muito de ver os grandes atores que nós temos com timing de comédia incríveis. Na verdade, o que falei é que quando um personagem não é exatamente de comédia mas tem humor, não gosto de pesar na mão. Não acho graça quando vejo alguém querendo fazer graça sem ter material pra isso. Gosto dos personagens que a TV me deu até agora. São personagens que me deixaram feliz.
Guilherme Staush pergunta
4- Começar de Novo foi uma novela bastante conturbada, que enfrentou problemas com a audiência. Primeiro responsabilizaram uma das protagonistas, a atriz Gisele Itiê, que acabou mudando de função na novela, deixando a trama central. Depois disso, vários personagens acabaram deixando a trama, inclusive o seu. O autor Antonio Calmon revelou, na época, que não sabia mais como conduzir alguns deles. E, além disso, seguiram-se mudanças na direção da novela. Como é para o ator participar de uma novela com várias complicações desse tipo?
Claro que participar de um sucesso é muito melhor. Mas nesse trabalho aconteceu uma coisa muito bacana. Os bastidores não refletiam os problemas da novela. A direção conduziu de forma muito harmônica o processo todo. Desde o começo achei que o resultado dos ETS que a Betty Gofman e eu fazíamos não era bom. Então não me surpreendeu muito a saída. Acho que esses personagens teriam muito pano pra manga, mas numa novela menos realista, mais lúdica ou de realismo fantástico. Novela das sete tem que dar conta de muitas solicitações pra ter uma boa audiência. É a mais difícil. Mas como não gosto de ficar me lamentando, aproveitei o momento de crise pra realizar um sonho que tinha desde adolescente. Fui passar 6 meses em NY me reciclando. Foi incrível. Muita coisa mudou depois disso.
Guilherme e Betty Gofman: família estranha em "Começar de Novo" (2004). |
Guilherme Staush pergunta
5- Seu personagem em Xica da Silva, o Sr. José Maria, fez tanto sucesso que acabou crescendo bastante na trama, destacando-se em igualdade com os protagonistas da novela. Como você compôs o Zé Mulher? De quem foi a ideia de incorporar aqueles gestuais ao personagem: a maneira de andar, o revirar dos olhos, a mania de enrolar os cabelos com os dedos, etc...?
Guilherme como o Sr. José Maria em "Xica da Silva" (1996). |
Foi uma criação quase conjunta com o Walter Avancini. Peguei a novela já em fase de estreia e tive muito pouco tempo pra me preparar. Por isso conversamos muito e ele sempre foi muito claro no que queria desse personagem. Lembro de uma passagem muito interessante. Tava na sala dele, conversando, e ele começou a me descrever como ele via o personagem, que era uma pessoa sonhadora, que não queria viver nos moldes do Brasil, mas sim da França onde tudo era mais glamurizado, que tinha dentro de si uma menina de 5 anos de idade com um olhar de borboleta curioso, ansioso e sonhador. Fiquei tão hipnotizado com ele falando que quando ele acabou, me olhou nos olhos e disse: Assim! Eu estava escutando ele e já me transportando para aquele universo, tamanha foi a força e a sabedoria com que ele me envolveu. A cor dos cabelos foi idéia minha. Ele queria loiro, mas falei pra ele que essa menina de 5 anos tinha cabelos ruivos e ele também acreditou (risos). O revirar os olhos veio da borboleta que ele me pedia e enrolar os cabelos veio do primeiro dia de gravação, que estava sem saber onde colocar as mãos e grudei elas no cabelo. Ele adorou.
Guilherme Staush pergunta
6- Uma das coisas que ficam bem evidentes para quem assistiu “Xica” foi a evolução do elenco no decorrer da produção, dando a impressão de que muitos atores aprenderam a atuar fazendo a novela. Grande parte deles entrou verde, e, no decorrer da novela todos foram amadurecendo suas performances, em parte mérito da direção. Tanto que hoje, muitos atores que fizeram a novela estão na Globo fazendo muito sucesso. Seus colegas Giovanna Antonelli e Dalton Vigh, por exemplo, são os protagonistas das novelas das 7 e das 9, respectivamente. Como foi ser dirigido pelo Avancini? Se por um lado ele era muito competente, por outro, há boatos de que ele era um diretor extremamente exigente e autoritário.
Era exatamente assim. Extremamente exigente e autoritário. Mas era um mestre e isso faz toda a diferença. Sei que não é fácil muitas vezes lidar com pessoas assim, mas eu gostei. Nos demos muito bem apesar de, claro, muitas vezes ele ter sido um fantasma na minha vida. Foi uma grande escola pra mim e agradeço e uso seus ensinamentos até hoje na minha profissão. Ele foi como poucos! Ficamos amigos. Sinto muita falta dele. Uma coisa boa que acontecia é que você ia pra casa cansado, exaurido de um dia de trabalho, mas feliz porque sabia que tinha dado seu melhor e muitas vezes ultrapassado seu limite, descobrindo uma nova possibilidade de interpretação que até então você desconhecia. E não falo isso só em relação aos atores. A técnica também. O que você via no set era todo mundo sendo desafiado para dar o seu melhor e todo mundo se esforçando pra isso. Tinham comunhões incríveis que aconteciam. Como você mesmo falou na pergunta, eu presenciei cenas muito difíceis e fortes em que via que os atores não estavam dando conta. De repente tudo parava. Era o Avancini entrando no estúdio. Ele cochichava no ouvido de um, de outro, falava muito baixo com todos. Olhava no olho. Pedia concentração pra todos do estúdio. TODOS. E mandava repetir. A cena explodia. Já aconteceu de eu chorar vendo um resultado desses e não era nem cena minha.
Guilherme Staush pergunta
7- Ainda sobre “Xica”, seu personagem teve muitas cenas difíceis. Eu destacaria, entre elas, a cena em que Zé Maria é humilhado pelo povo do Tijucos, tendo que correr nu diante da multidão, com o traseiro pintado de vermelho (veja o vídeo com a cena completa no final da entrevista). Como foi o desafio de encarar uma cena dessas? Os atores da novela chegavam a reclamar de ter que fazer cenas tão fortes de nudez e sexo, como as vistas nessa produção?
Guilherme com Mário Cardoso em cena da novela "Xica da Silva". |
Muitos atores reclamavam e se incomodavam, sim. Normal. Principalmente as mulheres.
Quando li a cena fiquei em pânico. Não queria fazer. Fiquei com medo de falar com ele, mas enfrentei. O problema não era só ficar nu. A cena começava num rio com um soldado me seduzindo. Os dois pelados. Isso era uma armadilha pra roubarem minhas roupas. Eu tinha que aparecer depois na praça, desesperado, pelado com a bunda pintada de vermelho pra todos os atores e mais de 100 figurantes rirem de mim e me humilharem. Uma cena muito forte que precisou de um dia inteiro de gravação. E eu pelado na cidade cenográfica. Quando falei com ele, o Avancini foi extremamente gentil e mencionou O Astro, na cena que o Tony Ramos ficava pelado. Falou da importância dessa cena (lindamente escrita pelo Walcyr Carrasco) pro personagem e que ele precisava dela pro desenrolar do mesmo. Me ofereceu até escolher o diretor com quem eu me sentisse mais à vontade pra dirigir. Ele era extremamente sedutor e sabia o que estava falando. Passava confiança. No final estava fazendo com garra, com vontade e com paixão.
Duh Secco pergunta
8- Após um período na Manchete, você migrou para a Globo, onde atuou na minissérie Chiquinha Gonzaga. Logo depois, esteve no ar em Porto dos Milagres, como Alfeu, o marido traído de Socorrinho (Mônica Carvalho). Houve alguma mudança, em relação à repercussão perante o público, ao migrar para o horário nobre global?
Guilherme com Mônica Carvalho: Alfeu e Socorrinho em "Porto dos MIlagres" (2001). |
Teve sim. Xica foi um marco. Tenho a sensação que todo mundo viu. Até hoje me falam muito dessa novela. Depois fiz Mandacaru, que não teve o mesmo sucesso de Xica, mas o Frei Dodô também foi muito importante pra mim como ator. Então quando fui pra Globo fiquei meio impressionado com o alcance do horário nobre da emissora. E ainda por cima com um personagem que sou grato até hoje ao Aguinaldo Silva e ao Ricardo Linhares. Um personagem muito comunicativo. Emocionante e engraçado.
BATE-BOLA COM G u i l h e r m e
Minha novela favorita: Vale Tudo e Dancin' Days.
Um vilão/vilã de novela inesquecível: Maria de Fátima (Glória Pires em Vale Tudo)
Gostaria de interpretar um personagem... vigarista, que se passa por outras pessoas pra aplicar golpes. (Tipo o Marcelo Nascimento Rocha, que inspirou o documentário e o filme Vips). Um psicopata!
Um vilão/vilã de novela inesquecível: Maria de Fátima (Glória Pires em Vale Tudo)
Gostaria de interpretar um personagem... vigarista, que se passa por outras pessoas pra aplicar golpes. (Tipo o Marcelo Nascimento Rocha, que inspirou o documentário e o filme Vips). Um psicopata!
Fazer o Nirdo de Pé na Jaca foi: Uma delícia por tudo. Pelo papel, elenco, texto direção... tudo. Formamos um grupo muito animado até hoje.
Sempre vou ao cinema para assistir filmes de: Sempre vou ao cinema ponto. Amo!
A maior vergonha que já passei foi... fazer teatro dentro de um avião na ponte aérea. Acho que depois disso, encaro qualquer coisa (risos).
VÍDEO
Xica da Silva (1996) - Zé Maria (Guilherme Piva) é traído por soldado e, na sequência, humilhado pelo povo do Tijucos.
***
8 comentários:
Zé Mulher era ótimo. Adorei Xica, e Guilherme estava perfeito. Uma aparência bem diferente do Gabino de Insensato Coração.
Muito legal essa entrevista. Guilherme Piva é um ótimo ator e sempre me chamou a atenção os personagens meio estranhos que ele sempre interpretava. Isso pro ator deve ser uma grande brincadeira.
Abraço.
Muitos atores já comentaram sobre o Avancini como ele sendo o cão chupando manga. Era muito competente, sem dúvida, mas um ditador. É aquela coisa, se sabe o que quer, se é competente, entao pode. Mas tinha que saber dizer não pra ele. A Giovanna antonelli se negou a fazer cenas de nudez. Usava uma dublê em todas as cenas. E ainda ssim ela odiou ver a reprise da novela no sbt. rs
É tão gostoso relembrar Xica da Silva. Saudades do tempo da Manchete, com suas novelas ousadas e aquela pitada de pimenta. Saudades do tempo em que Walcyr Carrasco sabia sair do lugar-comum. Sem dúvidas, uma grande obra, que até merecia nova reprise. E o Zé Maria, do Piva, era fantástico! Sua parceria com Giovanna Antonelli era genial! Gostei também de relembrarem o Nirdo de Pé na Jaca! Uma novela tão boa e tão injustiçada como essa merece ser lembrada sempre! Mais uma ótima entrevista, parabéns!
André San - www.tele-visao.zip.net
Adorava o monstro do espelho de "O beijo do vampiro". Imagino como deve ter sido difícil, realmente, atuar separadamente dos demais. Em "Xica da Silva", Zé Maria era muito legal. Vi na reprise do SBT.
Lucas - www.cascudeando.zip.net
Xica foi realmente fantástica , assim como o trabalho do Guilherme e de Drica. Merecia uma nova reprise!
Bjs
Eu adorava o Monstro do Espelho!
Foi uma grande sacada. Vi uma reportagem no Video Show na época e fiquei perplexo tamanha a técnica utilizada para o personagem.
Abraço
Guilherme Piva é um ator muito talentoso. Revi a cena da humilhação do Zé Mulher e senti saudades de Xica da Silva, uma das melhores novelas já produzidas. Um elenco muito bom e com interpretações marcantes de Myriam Pires, Drica Moraes, Zezé Motta e Taís Araújo.
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