100 anos de Jorge Amado, o campeão de adaptações para a TV.
por Daniel Freitas
Com a exibição do remake de Gabriela, a Rede Globo não quis apenas valorizar o cobiçado horário de novelas das 23h (já testado e aprovado por O Astro, em 2011), mas também homenagear o escritor que abriu as portas da Bahia e do Brasil para o mundo. Falecido em 2001, Jorge Amado teria completado 100 anos no dia 10 de agosto de 2012, com uma vasta obra literária que rendeu diversas adaptações para o cinema, a televisão e o teatro. A diversidade de personagens e as situações carregadas de sensualidade e humor, típicas do cotidiano da Bahia de sua época, fizeram de Jorge Amado um autor ímpar. A dramaturgia se rendeu à sua criatividade e não faltaram atores e atrizes que se disseram honrados em interpretar seus papéis.
No ar desde junho, a novela estrelada por Juliana Paes é um marco no centenário do autor baiano, levando ao público um retrato da Ilhéus dos anos 20, com seus coronéis autoritários e esposas submissas. Estão lá tanto a rigidez da sociedade da época, nos tempos áureos do cacau, como o fogo das raparigas do Bataclan, comandadas por Maria Machadão. Ao assinar a adaptação, o autor Walcyr Carrasco buscou tomar todos os cuidados para ser fiel ao livro, um dos clássicos de Jorge. Seria secundária, portanto, uma preocupação com a versão anterior, que levou ao ar uma Gabriela imortalizada por Sônia Braga, em 1975.
De lá para cá, o turco Nacib de Armando Bógus deu lugar a Humberto Martins, enquanto Eloísa Mafalda cedeu espaço para Ivete Sangalo. Entre alguns destaques, estão Mateus Solano na pele de Mundinho Falcão e Marcelo Serrado como Tonico Bastos, que empresta ao personagem o mesmo tom hilário que marcou a interpretação de Fúlvio Stefanini, tempos atrás. De resto, está tudo lá, inclusive a clássica cena em que Gabriela sobe no telhado do Vesúvio para resgatar uma arraia, causando rebuliço entre os homens da cidade. É o tempero do autor permeando a obra.
A atriz Sônia Braga sempre foi a queridinha de Jorge Amado. Ela também protagonizou a versão de Gabriela para o cinema, ao lado do ator italiano Marcello Mastroianni. Sônia fez ainda a personagem título de Dona Flor e Seus Dois Maridos, até pouco tempo a maior bilheteria do cinema brasileiro (ultrapassado recentemente por Tropa de Elite 2) e uma das mais divertidas obras do escritor baiano. Na TV, a quituteira Dona Flor ganhou vida através de Giulia Gam, em minissérie exibida pela Rede Globo em 1998, com Edson Celulari no papel do malandro Vadinho e Marco Nanini como o centradoTeodoro – os dois maridos de Flor.
O triângulo amoroso de Dona Flor, com sua tórrida paixão pelo marido sedutor que ressurge após a morte e seu recato diante do respeitador médico que a tira do luto, foi um prato cheio para a dramaturgia. O Canal Viva já reprisou a minissérie duas vezes, sempre com boa audiência. A montagem teatral baseada no livro de Jorge também já percorre o Brasil desde 2007. E no final deste ano, uma nova adaptação para o cinema começa a ser gravada na Bahia, com Marcelo Faria, Vanessa Giácomo e Humberto Martins nos papéis principais.
Lá pelo final dos anos 90, divulgou-se a notícia de que o romance Mar Morto, obra clássica e emblemática de Jorge Amado, seria gravado em formato de minissérie pela Globo. O papel de Guma, o personagem principal do livro, seria de Rodrigo Santoro, que estaria até praticando musculação e tomando sol para aparecer no vídeo mais forte e bronzeado. Tal adaptação nunca veio. O que o público viu foi uma novela com alguns núcleos inspirados em Mar Morto e personagens retirados de lá. Assim, em fevereiro de 2001, estreou a novela Porto dos Milagres, de Aguinaldo Silva, com Marcos Palmeira no papel de Guma, Flávia Alessandra como Lívia, Camila Pitanga como Esmeralda e Luísa Tomé como a folclórica Rosa Palmeirão.
A novela se tornou um grande sucesso (média final de 45 pontos) e retratava o universo dos pescadores e sua paixão por Yemanjá, a Rainha do Mar, no sincretismo religioso tão bem contado por Jorge Amado. O último capítulo teve forte impacto e ninguém ficou imune à cena em que Guma perde o rumo de sua embarcação numa tempestade e é levado ao fundo do mar pela deusa das águas.
Antes disso, o aclamado escritor viu sua obra virar um sucesso retumbante com a exibição da novela Tieta (1989/1990), uma das maiores audiências da teledramaturgia nacional. A história da moça expulsa de casa após ser deflorada por um homem, e que retorna triunfal 20 anos depois, conquistou o público e todos aqueles que haviam ou não lido o livro. A novela, também da safra de Aguinaldo Silva, empolgava desde a música de abertura, com o suingue de Luiz Caldas, passando por personagens inesquecíveis como a Perpétua de Joana Fomm, uma figura mega secundária no livro, mas que ganhou uma projeção monumental no folhetim, em razão da interpretação visceral da atriz.
O papel de Tieta coube a Betty Faria, cujos modos afetados seduziram o sobrinho Ricardo, o seminarista filho de Perpétua, que não resistiu às tentações da tia. Filmada em Mangue Seco, litoral norte do estado da Bahia, a novela encantou o público com as belas paisagens (inesquecíveis as cenas em que Tieta e Ricardo rolavam nas dunas) e personagens memoráveis, como as beatas Amorzinho e Cinira (Lília Cabral e Rosane Goffman), o mulherengo Osnar (José Mayer), a teúda e manteúda Carol (Luísa Tomé), Timóteo (Paulo Betti), Elisa (Tássia Camargo) e a clássica dona Milu (Miriam Pires), dona do bordão “Mistééééério...!”. Tieta foi mais uma obra de Jorge que virou filme, com direção de Cacá Diegues, com Sônia Braga no papel principal. Recentemente, a Globo Marcas relançou a novela em DVD, num total de 11 discos.
Em 1992, chegava à TV mais uma obra de Jorge, com a minissérie Tereza Batista, inspirada no romance Tereza Batista Cansada de Guerra. Com 28 capítulos, a produção teve a pernambucana Patrícia França como protagonista, responsável por levar o público masculino ao delírio em diversas cenas de nudez. Estreante na televisão, a atriz encarnou a moça que, ainda criança, é vendida pela tia Felipa (Maria Gladys) ao temido Capitão Justo (Herson Capri), um colecionador de meninas. Mesmo maltratada e violentada, Tereza não se intimida e, ao trabalhar no armazém de Justo, se apaixona por Daniel (Hugo Gross), com quem vive seu primeiro amor.
O capitão flagra os dois, que acuados, resolvem matá-lo. Daniel, para a surpresa de Tereza, nega a cumplicidade do crime e afirma que foi seduzido pela jovem. A heroína, então, amarga na pele a decepção amorosa. E assim a história se desenrola, como só Jorge Amado sabe contar em sua infinidade de obras cheias de personagens ricos e interessantes. A lista de adaptações inclui ainda a minissérie Tenda dos Milagres (1985), a novela Terras do Sem Fim (1981/1982), a série Pastores da Noite (2002) e o caso especial A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água (1978).
Fora da Globo, o romance Capitães de Areia (a história de Pedro Bala, sua gangue de meninos de rua e a paixão por Dora) ganhou o formato de minissérie na Band em 1989. Já Tocaia Grande virou novela na Rede Manchete entre 1995 e 1996.
Não há dúvidas: Jorge Amado é o escritor brasileiro mais adaptado para a televisão. Sua contribuição para a cultura nacional é inestimável. Não seria exagero dizer que todo autor deveria ter o prazer e a honra de adaptar Jorge Amado. O Brasil e os amantes da teledramaturgia agradecem.
Um comentário:
Sempre fui fã das adaptações de Jorge Amado para a TV. Acompanhei muitas, e é óbvio que Tieta é a minha predileta. Porto dos Milagres, apesar de não gozar de muito prestígio entre os fãs de JA, também é uma das que mais gosto.
Abraço a vocês!
Postar um comentário