Fortaleza e as lembranças de Tropicaliente
por Duh Secco
Visitar a locação de uma determinada novela é como reviver as emoções da mesma. Quem já passou pelo Leblon, por exemplo, certamente se imaginou cruzando com uma das muitas Helenas de Manoel Carlos. Se algum noveleiro estiver na bucólica Poços de Caldas, não vai deixar de rememorar a trama de Livre Para Voar. E se o destino for Foz do Iguaçu, há de se pensar na guia de turismo Raquel Aciolly (Regina Duarte), de Vale Tudo. Foi essa sensação, a de fazer parte de um determinado universo ficcional, que me acometeu em uma viagem de férias à Fortaleza, na última semana de agosto.
No roteiro, diversas praias que incluíam locações de Meu Bem Querer, Sansão e Dalila e até da mais famosa abertura do Fantástico, aquela em que Isadora Ribeiro emergia das águas. Ainda, a casa de Rodrigo (José Wilker), em Final Feliz, cuja vista da varanda impressiona: a imensidão do mar, banhado pela intensa luz do sol. A trama de Ivani Ribeiro, exibida em 1982, divulgou as belezas do Ceará por meio de Mestre Antônio, brilhantemente interpretado por Stenio Garcia, um habilidoso jangadeiro que procurava por sua filha desaparecida. Mas, sem dúvida, a maior lembrança novelística que Fortaleza suscita é a de Tropicaliente.
Novela de Walther Negrão, exibida em 1994, Tropicaliente ia ao encontro do intuito da Globo, naquele tempo, de fugir das ambientações em Rio e São Paulo. A novela antecessora, Sonho Meu, havia se passado em Curitiba. Tropicaliente foi mais longe, mais precisamente para Fortaleza, para onde vários personagens se deslocavam no primeiro capítulo, em busca de uma mudança em suas vidas. O pescador Ramiro (Herson Capri) deixava o Maranhão em busca de melhores oportunidades de trabalho; a empresária Letícia (Sílvia Pfeifer) saía do Rio de Janeiro para assumir a indústria de pescado de seu pai, Gaspar (Francisco Cuoco). Ela era uma jovem milionária que acreditava ter sido abandonada pelo pescador, quando este saiu de barco para passar três meses em alto-mar, exercendo sua atividade. Eis que os dois se reencontraram em Fortaleza e decidiram tentar reviver a paixão de verão. Mas a vida agora era outra e as dificuldades que surgiram em seus caminhos, oriundas principalmente de dentro dos lares que construíram enquanto estiveram afastados, acabaram por destruir todas as chances de reconciliação. Ramiro terminou com Serena (Regina Dourado), a mulher com quem havia se casado e tido filhos, enquanto Letícia ficara noiva de François (Victor Fasano), arquiteto que ela disputava com sua própria filha, Amanda (Paloma Duarte).
O governo do Ceará, na época, investira na produção da trama, arcando com custos de hospedagem dos atores e da equipe, bem como alugueis de barco e helicópteros. Assim que estreou, Tropicaliente se revelou um excelente merchandising para o estado. O turismo aumentou em aproximadamente 30%, principalmente no período cujo movimento custava ser menos intenso. O resultado fora tão positivo que o turismo local ainda usa da novela para promover suas atrações, mesmo já tendo se passado 18 anos da exibição da trama. É prática comum entre os “bugueiros” oferecerem passeios nos quais é possível visitar, entre outros lugares, a gruta na qual Açucena (Carolina Dieckmann) perdia sua virgindade, situada na belíssima Praia das Fontes. E é constante também a piada de praticamente todos os moradores locais, que pedem aos turistas que devolvam a virgindade perdida, caso a encontrem.
Eu, como bom turista, visitei a tal gruta, mas não encontrei o que Açucena perdeu ali. Acabei esbarrando mesmo nas minhas memórias sobre Tropicaliente. Vi a trama em 1994, mas a pouca idade, na época, não me permite maiores lembranças. Acompanhei a novela, de fato, em 2000, quando a mesma fora reprisada na sessão Vale a Pena Ver de Novo. Um dos repetecos mais atingidos pela impiedosa edição a qual toda novela é submetida para se adequar ao horário. No caso de Tropicaliente, cujas chamadas prometiam esquentar as tardes, a edição, além de condensar os 194 episódios da trama em apenas 80, cometeu deslizes, como exibir o mesmo bloco, por duas vezes, em um determinado capítulo.
Ignorando tais fatos, me envolvi e muito com a novela. Gostava das trapalhadas de Adrenalina (Natália Lage) e Pessoa (Guga Coelho); do clima de animosidade que pairava na casa da arrivista Isabel (Lúcia Alves), depois que ela contratou a governanta Hilda (Cleyde Blota); da retidão de caráter de Olívia (Leila Lopes), que tentava convencer o namorado Davi (Delano Avelar) a aceitar a origem humilde dos pais; e das loucuras do velho Buja (Nelson Dantas), pescador fora de atividade que usava as areias coloridas das falésias para conceber seu artesanato. Vi bons trabalhos de Cássio Gabus Mendes, como o malandro Franchico; a já citada Paloma Duarte (Amanda); Selton Mello, como o inconsequente Vitor, com quem Açucena perdeu a tal virgindade; e Ana Rosa (que vinha de outra parceria bem-sucedida com Walther Negrão, em Despedida de Solteiro), como, a mulher que não acreditava na fidelidade de seu marido, Samuel (Stenio Garcia). Tropicaliente rendeu ainda boas cenas, como a de quando Açucena e Dalila (Carla Marins) vêem Letícia entrando em um lago e acreditando que ela irá se suicidar; a que Serena cruza com Letícia em um shopping e chega a passar mal, tamanho é o seu ódio pela rival; e outra na qual Letícia encontra um brinco que pertencia à sua filha, Amanda, na cama de seu então namorado, François, alvo do interesse da menina. E ainda no último capítulo, quando Açucena dá às costas para Vitor, que a aguardava no altar, para ir ao encontro de seu grande amor, Franchico.
A novela, entretanto, não foi tão bem em audiência na reprise, e na primeira exibição foi prejudicada pela Copa do Mundo daquele ano e pelo espichamento imposto pela Globo, que programou o último capítulo da trama para o dia 30 de dezembro, possibilitando assim que a trama substituta, o remake de Irmãos Coragem, abrisse as comemorações dos 30 anos da emissora, já na primeira segunda de 1995. Quem viu, sabe que Tropicaliente foi uma novela com todos os atrativos necessários para se tornar uma bela lembrança para os telespectadores. Seu mérito maior consistiu em levar ao público as belas imagens de Fortaleza, que até hoje, a agradece por isso.
Dedicado aos amigos Renato Bonifácio, Elaine Passoni e Danubia Viana, que me acompanharam nesta viagem.
3 comentários:
Ahhhhh...que linda homenagem Duh.....eu que não era tão nova na primeira exibição da novela...não lembro de tantos detalhes como vc...mas realmente...das paisagens não da pra esquecer....estive pela segunda vez em Fortaleza e essa vez foi mais especial.....aproveitei muito mais...aquele lugar é encantado...e encantador.....com certeza o local mais lindo q ja vi.....obrigada pela homenagem...bj grande
Lembro dessa novela quando passou cá em Portugal, no mesmo ano sensivelmente, de estreia.
Gostei, foi divertida, paisagens lindas com cheiro a maresia, algum exagero nas comparações "vida simples" versus "vida dos ricos", pois nas novelas rico tem de ser sempre infeliz e ter muitos problemas e só o pobre e humilde sabe o que é felicidade (será que também não tem problemas e é infeliz?).
Achei a Carolina Dieckman muito crua (muito) mas de resto 100% fantástico.
Adoro essa novela. Acho que a direção entendeu perfeitamente o clima, e soube passar isso para o telespectador. Fora a cenografia. Tentaram repetir o acerto em Como uma Onda, mas achei a direção muito certinha, não pegaram o espírito da coisa. E estou com medo de O Caribe é Aqui. Espero que o Jayme Monjardim não deixe o céu e o sol roxos.
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