A novela nasce na cabeça de seu autor,
cresce nas mãos do diretor, e se perpetua no imaginário do público através das
emoções que suscita. Essa é a ordem natural das coisas, desde que TV, em todo o
mundo, decidiu lançar mãos dos folhetins para assegurar sua audiência.
Entretanto, algumas novelas têm suas trajetórias interrompidas antes mesmo de
irem ao ar: por vezes, com a interrupção de suas produções; e em outras tantas,
por sequer saírem do computador de seus autores. Temos conhecimento destas
tramas através de notas da imprensa e entrevistas dos profissionais que nela
estavam envolvidos. O Agora é Que São
Eles revisitou acervos de jornais, revistas e blogs e preparou um dossiê
sobre as “novelas que foram sem nunca terem sido”. Tramas que não vimos, e provavelmente não iremos ver, na telinha e
sobre as quais você só vai saber mais graças a este especial do nosso blog.
por
Duh Secco
Globo
A Globo é a maior produtora de novelas
do país e uma das maiores de todo o mundo. Para atingir esse patamar,
padronizou sua produção e chegou a uma organização invejável, que lhe permite
engatilhar diversas sinopses para cada horário e assim trabalhar perfeitamente
cada detalhe de suas tramas. Mas, nem sempre as coisas saem como o planejado. A
Globo já desistiu de algumas novelas a favor de outras, como o remake de O Profeta (que seria escrito por Ângela
Carneiro e Elizabeth Jhin, em 2004), preterido por Cabocla, de Benedito Ruy Barbosa.
Preto
No Branco (1983)
De Bráulio Pedroso
Em 1983, após integrar a equipe de
criação do seriado Mário Fofoca, o
autor Bráulio Pedroso passou a desenvolver sua próxima novela para a TV Globo.
A trama trazia um negro como protagonista, uma inovação para a época. Aristides
seria um tipo genial, capaz de fazer de Vavá, um homem desprovido de
inteligência, o herdeiro de uma milionária. A sinopse ficou pelo caminho quando
Bráulio Pedroso se desligou da Globo. Abaixo, um trecho da mesma, datado de 05
de julho de 1983 e publicado no Jornal do Brasil, em 2000, ano em que o acervo
do autor foi doado à Fundação Casa de Rui Barbosa.
“Valdemar
de Brito, mais conhecido por Vavá, chegou aos quarenta anos com raras vitórias
e muito sorriso nos lábios. É um eterno otimista. E por crer em tudo, tem uma
natural simpatia que o faz popular. Só que sua simpatia acaba rimando com
idiotia. Não que seja um débil mental, longe disso. Mas longe dele também um
brilho maior de inteligência. (...) Ao contrário de Vavá é Aristides da Silva,
um negro retinto que, zombando dos teóricos do racismo, beira a genialidade. É
do tipo aventureiro, audacioso, tanto que pela primeira vez faz um negro ser
protagonista de novela. (...) De onde Aristides tirou a idéia de fazer de Vavá
o filho da milionária? Da leitura de uma reportagem em cores. Foi ler e
inspirar-se. Dizem que a audácia ilumina os necessitados. (...) Porém,
Aristides nunca se excede. Conhece os limites. É extremamente sério na sua
profissão de mentor da impostura. É autoritário com Vavá entre quatro paredes e
submisso em público. Está sempre atento, sabendo que o perigo vem de onde menos
se espera”.
Mar
Morto (1995)
De Aguinaldo Silva
Baseada na obra de Jorge Amado
A
Próxima Vítima,
sucesso das 20h, seria substituída por O
Rei do Gado, em setembro de 1995. Seria se não fosse o atraso na produção
da trama de Benedito Ruy Barbosa. Diante dos imprevistos, a Globo decidiu transformar
em novela a então minissérie Mar Morto,
obra de Jorge Amado adaptada por Aguinaldo Silva para comemorar os 30 anos da
emissora. Sobre a alteração do formato, Aguinaldo declarou ao O Globo, em maio
de 1995: “Agora que virou novela, eu praticamente terei de criar outra
história. O que fiz é inaproveitável para ficar oito meses no ar. Mas, como a
espinha dorsal permanece, isso facilita o trabalho”. Aguinaldo desenvolveria a trama
com Ana Maria Moretzsohn, Maria Elisa Berredo, Nelson Nadotti e Ricardo
Linhares. Para o elenco, Glória Pires como Lívia, Maurício Mattar como Guma e
Antônio Fagundes, como Murad. Mar Morto
acabou preterida por Explode Coração,
de Glória Perez, e só seria adaptada em 2001, também por Aguinaldo Silva e com
Fagundes no elenco, mas com novo nome: Porto
dos Milagres.
Alto
Da Serra (1998)
De Flávio de Campos e Marcílio Moraes
O Brasil pré-republicano serviria de
cenário para a história de amor de Júlia e Demétrio, na substituta de Era Uma Vez..., Alto da Serra, novela de Flávio de Campos e Marcílio Moraes. A
trama, que seria dirigida por Ignácio Coqueiro sob o núcleo de Carlos Manga, usaria
a luta pela abolição e a imigração alemã como pano de fundo para as
divergências ideológicas do casal Júlia, uma costureira monarquista, e
Demétrio, republicano militante. O rapaz fora abandonado pela mãe quando
criança e, por este motivo, decidiu investigar o seu passado. Ao longo da narrativa,
descobriria o pai e disputaria o amor de Júlia com seu irmão. Sabe-se lá por
que a novela acabou engavetada, cedendo espaço para a segunda versão de Pecado Capital.
Escândalo
(1998)
De Miguel Falabella
A
Dança Da Vida (2001)
De Maria Adelaide Amaral
Este é um dos casos mais famosos de
novelas que não saíram do papel. Para substituir a complicada A Padroeira, a Globo escalou Maria
Adelaide Amaral e sua A Dança da Vida.
Fábio Assunção seria o protagonista, Daniel, estudante de economia que ajudava
moradores de comunidades carentes a desenvolver negócios. Filho bastardo de um senador
corrupto, Conrado (Fúlvio Stefanini), Daniel herda uma fortuna do pai e aplica
parte do dinheiro em entidades que ajudam crianças pobres, entrando em conflito
com Laura, sua ambiciosa noiva, vivida por Adriana Esteves. A novela vinha
avançando na produção e já contava com grandes nomes para seu elenco: Júlia
Feldens como Beatriz, milionária solitária apaixonada por Daniel; Lília Cabral
como a esposa do senador, Gilda Souza Lopes (personagem que seria de Irene
Ravache, a princípio); Márcia Cabrita como Cida, empregada do senador; Vladimir
Brichta como o vilão Quirino, motorista de Gilda; Paulo Vilhena como o
mauricinho Otavinho; além de Mauro Mendonça e Vera Holtz. Eis que o Ministério Público
classifica a trama como imprópria para 14 anos (exibição às 21h). Para suavizar
a novela, Mário Lúcio Vaz, diretor artístico da Globo, suprimiu do enredo uma
prostituta, um traficante e um dependente químico. Sobre as alterações, Maria
Adelaide declarou à Folha de São Paulo, em 19 de outubro de 2001: “Acharam a
minha novela meio “forte” para o horário das 18h. Algumas coisas incomodavam e
foram retiradas, mas a corrupção política e a discussão ética são inegociáveis.
Sem isso não há novela”. E realmente não houve novela. A produção fora suspensa
e alguns dos atores escalados remanejados para Coração de Estudante, trama que ocupou o horário.
Até
Que Enfim (2003)
De Ana Maria Moretzsohn
Diferentemente de A Dança da Vida, Até Que
Enfim, planejada para o horário das 19h, sequer chegou a entrar na linha de
produção da Globo. A trajetória da mulher romântica, dona de uma agência de
casamento, apaixonada por um pragmático empresário do ramo, serviria de base
para as histórias mais curtas que envolveriam casais que passassem pela
agência. Algo como o proposto por Gilberto Braga e Ricardo Linhares nas
participações especiais de Insensato
Coração. Ana Maria Moretzsohn, a autora de Até Que Enfim, já havia testado formato semelhante em Malhação e em um seriado que escreveu
para a TV portuguesa.
Deusa
Da Ilusão (2004)
De Ana Maria Moretzsohn
Após propor Até Que Enfim, Ana Maria Moretzsohn entregaria um novo projeto
inovador a Globo, também para as 19h. Deusa
da Ilusão, escrita em parceria com sua filha, Patrícia, se passaria em uma
indústria de cosméticos. A ambientação daria margem a participações de
telespectadores, que seriam sorteados para passar por uma transformação real,
dentro do enredo fictício. Uma “reality novela” que contaria também com
votações por telefone, a cada 15 dias, para decidir o rumo de parte da
história, como no extinto Você Decide.
O êxito que a Globo vinha obtendo com novelões clássicos na época pesou e Deusa da Ilusão, que faria uma intensa
crítica aos padrões de beleza e a relações neuróticas com o físico, não
emplacou.
Um
Estranho Amor (2004)
De Alcides Nogueira
“Imaginava ter descoberto um ‘plot’
original, e ele já existe, nem tenho como negar! Como sou advogado pós-graduado
em direito autoral, jamais me valeria de um plágio”. A afirmação de Alcides Nogueira
botou um ponto final na curta trajetória de Um
Estranho Amor, novela proposta pelo autor para a faixa das 18h. A trama se
iniciava praticamente da mesma forma que o livro do francês Marc Levy, E Se Fosse Verdade: um arquiteto (André)
aluga um apartamento e se depara com uma bela mulher (Laura, uma editora de
moda) o ocupando. Ela confessa ser a alma da ex-inquilina, que sofreu um
acidente e está em coma. André confere: Laura realmente está numa UTI. O
arquiteto se apaixona pela alma de Laura, e os dois vivem um romance. Até que
ela sai do coma e o rejeita, por não se lembrar de nada. Devido a essa infeliz
coincidência, Um Estranho Amor acabou
engavetada.
Por
Aí (2005)
De Andrea Maltarolli
Andrea Maltarolli faria sua estreia
como autora-solo três anos antes da simpática Beleza Pura, caso a Globo não tivesse suspendido a produção de Por Aí. Com direção de Carlos Manga e
supervisão de texto de Carlos Lombardi, Maltarolli desenvolvia os capítulos
desta comédia sobre uma sociedade secreta que desenvolvia pesquisas com
transgênicos e uma quadrilha rural, que planejava um assalto para ajudar a
mocinha caipira, perdida no Rio de Janeiro por conta das armações da tal
sociedade, que contava com um cientista mal-humorado, o mocinho, que sofria de transtorno
obsessivo-compulsivo. Concebida como Operação
Vaca Louca, Por Aí acabou cedendo
sua vaga para Bang-Bang, trama de
triste lembrança.
João
Ao Cubo (2012)
De Carlos Lombardi
Antes de deixar a Globo rumo à Record,
Carlos Lombardi apresentou a sinopse de João
Ao Cubo. Na novela, uma agência de viagens promete levar seus usuários a
outros tempos. Assim, o protagonista João passa a viver seus amores em três
épocas diferentes da história da humanidade. Como a sinopse pertence a Globo,
mas seu autor está na concorrente, possivelmente não veremos João Ao Cubo tão cedo...
***
Próximo Capítulo: as tramas descartadas por Record e SBT. Não percam!
12 comentários:
Que legalllll esse post!!!
Parabéns!
Duh não tinha uma outra sinopse da Andreia Maltarolli que os protagonistas iam ser fantasmas, essa sinopse foi entregue após BELEZA PURA! Lembra de algo sobre isso?
Fico feliz que tenha curtido o post, Fábio. Na época em que Maltarolli faleceu, rolaram comentários sobre essa sinopse da autora, que até poderia vir a ser produzida. Mas não achei nada conclusivo sobre, infelizmente.
"Escândalo" também deve ter servido de base para a criação do seriado "A Vida Alheia".
Uma pena que não veremos tão cedo essa trama inovadora do Lombardi. A Globo vacilou ao perdê-lo para a Record.
Olha, vocês mostraram apenas uma pequena parte das sinopses que não saíram do papel. Deve haver ainda um monte delas engavetadas na emissora.
Outras que ainda podem ser levantadas são:
1. Uma novela que seria ambientada num transatlântico, que seria desenvolvida por Márcia Prates, com supervisão de João Emanuel Carneiro, para a faixa das 19h.
2. Em 2003, uma novela do Walther Negrão estava cotada para a faixa das 21h, "A Saga do Zebu", que seria ambientada no Rio Grande do Sul. O autor não teve a sinopse aprovada e usou sua pesquisa para ajudar Maria Adelaide Amaral na minissérie "A Casa das Sete Mulheres".
3. Gilberto Braga ia escrever uma novela chamada "Alta Rotatividade" para substituir "A Indomada" em 1997, mas a sinopse não foi aprovada e a emissora resolveu substituí-lo por Manoel Carlos, que escreveu "Por Amor". Dizem que "Alta Rotatividade" é a minissérie "Labirinto", mas não tenho certeza.
4. Maria Adelaide Amaral planejava uma minissérie intitulada "Nassau" para 2008, mas os altos custos de produção extrapolaram o orçamento da emissora para a faixa das minisséries e impediram que aquele projeto fosse realizado. A autora teve que apresentar outro projeto de menor custo, a minissérie "Queridos Amigos".
Eu acredito que a Globo esteja reservando "Nassau" como uma carta na manga para comemorar seus 50 anos em 2015, porque as invasões holandesas ainda merecem ser retratadas numa minissérie que deverá marcar história na teledramaturgia.
Rodrigo, de fato, ainda temos muitas tramas que não foram comentadas neste post. Mas padecemos de maiores informações sobre elas. Sobre "Nassau", ainda teremos um texto só para minisséries.
Duh, estou te enviando o link do jornal O Globo falando sobre a trama de Márcia Prates para as 19h, "Descobridor dos Sete Mares", que também não saiu do papel:
http://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/coluna/noticia/2010/05/globo-cancela-novela-das-19h-295188.html
Obrigado, Rodrigo! Pesquisei sobre Alta Rotatividade. De fato, é Labirinto. Mas fora concebida mesmo como minissérie.
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Mensagem enviada pelo autor Manoel Carlos
Staush, bom dia
Beleza de matéria. Aguardo a segunda parte.
Abraço
MC
Gilberto Braga teve descartada foi Festa de Aniversário que substituiria A Indomada.
Será que desta vez essa trama de Andréa Maltarolli vai sair do papel?
Veja este link que saiu hoje no jornal O GLOBO (16/04/2013):
http://kogut.oglobo.globo.com/noticias-da-tv/coluna/noticia/2013/04/silvio-de-abreu-vai-supervisionar-texto-de-novela-de-autor-estreante.html
Silvio de Abreu vai supervisionar texto de novela de autor estreante
Conhecido entre outros motivos por sua generosidade com autores estreantes, Silvio de Abreu voltará a supervisionar uma novela na Globo. Trata-se de uma trama escrita por Andrea Maltarolli. A história estava sendo preparada quando ela morreu, em 2009. O autor será Daniel Ortiz.
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